Especialistas dizem que acolhimento e escuta são fundamentais.
Luiz Claudio Ferreira/Agáncia Brasil
âMamãe, eu vou poder ir para a escola?â âPor que há massacre?â A professora Gina Vieira, pesquisadora em educação no Distrito Federal, ficou aturdida ao ouvir do filho de 12 anos a palavra âmassacreâ e perguntas que exigem mais do que uma simples resposta: exigem atenção, ouvidos disponíveis, seriedade, serenidade e acolhimento.
âMuitas vezes, as famílias se recusam a conversar [sobre atentados tornados públicos em escolas e outros ambientes] porque acreditam que isso pode traumatizar a criança. Só que as crianças estão em um mundo em que elas são expostas de maneira visceral a tudo o que aconteceâ, diz a pesquisadora em educação que tem projetos premiados no campo da educação e de direitos humanos.
Ela explica que dialogar com as crianças sobre o que está acontecendo requer que os pais superem a perspectiva ingánua de acreditar que a violáncia na escola é algo relativo ao ambiente escolar. Gina Vieira entende que mensagens de ódio e desinformação passaram a ocupar espaço central no país.
âí necessário que os pais ouçam as crianças e estejam atentos aos sinais de que podem estar assustadas, apreensivas e com medoâ, diz Gina Vieira.
Acolher esses sentimentos é a palavra adequada, segundo a professora de psicologia Belinda Mandelbaum, da Universidade de São Paulo (USP). âEm um primeiro momento, é necessário escutar o que chegou até elas. Escutar os medos e as impressões. A partir dessa escuta, os adultos podem, de alguma maneira, contribuir para uma ampliação da compreensão da criança sobre aquilo que ocorreuâ. Assim, os adultos devem ficar disponíveis para poder responder í s perguntas das crianças, ouvir e pensar com ela sobre as questões que elas tám.
Para a psicopedagoga Ana Paula Barbosa, que também é professora de psicologia e pesquisa o desenvolvimento infantil, é fundamental que os adultos não neguem í s crianças a possibilidade de sentir e se emocionar. í preciso que as famílias estejam dispostas para essa conversa.
âElas vão perguntar: “mãe, o que está acontecendo?”, “morreram crianças?”; Não negue e não se afaste. Acolha a criança e pergunte em que espaço ela ouviu aquela informação. Então, traga a criança para perto. Perguntar o que ela está sentindo e explicar o que é o medoâ, pondera a professora do Centro Universitário de Brasília.
A professora recomenda que é possível explicar que o medo é um sentimento e que as famílias e as pessoas na escola estão trabalhando para cuidar da segurança dela.
Uma oportunidade, segundo Ana Paula Barbosa, para identificar que não é bom ser violento, mas que algumas pessoas utilizam a violáncia. âPodemos falar sobre o medo para criança externalizar esse sentimento de algum modo. Ela ainda está em processo de desenvolvimento. Deixar claro para ela que, se a criança tiver medo na escola, pode chamar a professora, pedir ajuda, falar sobre os sentimentosâ.
Até porque, segundo outra especialista, a pesquisadora Danila Zambianco, da Universidade de Campinas (Unicamp), por vezes, o adulto causa mais temor ainda na criança, uma vez que potencializa algo que até pode ter passado despercebido. âí importante que as famílias deem espaço para as crianças falarem o que percebem e que elas expressem sentimentosâ.
Ao invés de inquirir a criança se ela sabe algo sobre a violáncia, questionar se algo de diferente chamou atenção. âIsso quer dizer que é necessário que o adulto tome cuidado para não julgar o que a criança trouxeâ.
Inclusive, as especialistas ouvidas pela Agáncia Brasil avaliam que é importante, tanto quanto a informação, respeitar quando crianças manifestarem desconforto em ir para a escola. Em continuidade a uma eventual falta, é importante que os adultos responsáveis indiquem que estão atentos a todas as providáncias de segurança tomadas.
Segundo as pesquisadoras, os adultos também transmitem ansiedade e preocupação. E esses sinais são captados pelas antenas da sensibilidade das crianças.
Adolescentes
Embora consigam refletir sobre as crises de uma forma mais elaborada, adolescentes requerem também atenção bastante especial em relação ao que ouvem e recebem do mundo. âA gente ainda acha que o adolescente tem algumas capacidades a mais do que a criança, mas o cérebro do adolescente também está em desenvolvimentoâ, pontua a professora Ana Paula Barbosa.
Adolescentes vivem em meio a descobertas, e chegam a registrar alguns episódios de maneira também distorcida, idealizada ou até romântica. âPara lidar com o adolescente, não se costuma utilizar componentes lúdicos. A gente vai ter que encarar uma conversa que traga alertas e possibilidades de riscos para que a pessoa compreenda melhor o que se passaâ.
Outra providáncia que adultos podem tomar é chamar atenção para que adolescentes não satirizem os eventos, chamando-os í responsabilidade moral diante das notícias de tragédia. âQue tipo de humor é esse que se faz por cima do sofrimento de algumas pessoas?â
Abandono digital
A exposição chega í sala de casa a partir da TV ligada ou do celular que alguém traz sempre í mão. Paralelo ao momento terrível de violáncia, Gina Vieira aponta que as crianças estão expostas a uma espécie de âabandono digitalâ. âOs pais estão soterrados de trabalho. As famílias sobrecarregadas e as crianças muitas vezes estão entregues a dispositivos móveisâ.
A psicopedagoga Ana Paula Barbosa orienta que os responsáveis se aproximem das crianças e observem para saber o que elas estão olhando ou ouvindo.
âAs notícias mais fortes devem ser evitadasâ. Mas ela enfatiza que isso não deve ser motivo para evitar o assunto porque as informações podem chegar distorcidas de outro lugar.
Essas distorções via redes sociais são perigosas, diz a professora Belinda Mandelbaum, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Família, da USP.
;í preciso entender o que toda essa tecnologia significa para elas e poder mostrar também os riscos que estão envolvidos. Tudo aquilo que as crianças não tenham ainda condições de enxergarâ.
Essa aproximação em relação aos meios digitais é papel da família e da escola, cada um em suas características e responsabilidades. âAs crianças podem receber informações que podem ser muito perigosas. Elas precisam de adultosâ.
O papel das escolas
As pesquisadoras veem que os profissionais da escola devem ser participantes ativos para que crianças e suas famílias sintam que o espaço educacional é acolhedor. âí importante que, como parte do diálogo com as crianças, as escolas estabeleçam diálogos. As famílias precisam se sentir parte da construção da cultura de paz no espaço escolarâ, diz Gina Vieira.
A professora Ana Paula Barbosa defende que um momento como esse impõe que as unidades de ensino entendam que é preciso investir mais em programas de saúde mental para todos.
âí hora de a escola rever alguns papéis. Não pode mais ser apenas um espaço conteudista de matemática, portuguás, geografia;.
Elas defendem que a escola é um espaço humano de desenvolvimento, de uma aprendizagem que não cai na prova.
Além disso, as professoras acrescentam que o momento proporciona a reflexão para a necessidade de que a reunião de escola seja mais do que para tratar das notas dos filhos, mas também que o diálogo e programas sobre diversidade, bullying e sentimentos sejam parte da rotina escolar, e não apenas em momentos de crises.
âNão se faz milagre nas escolas. í necessário equipá-las com mais profissionais de saúde mental. Isso que está acontecendo mostra essa necessidadeâ, diz a professora Ana Paula Barbosa.
Adversária ao papel humano das escolas, há, no entender das pesquisadoras, parcela da sociedade que espetaculariza e monetiza a violáncia. âA gente fica chocado quando violáncia se apresenta na escola, mas está espelhando o que está acontecendo na sociedadeâ, diz Gina Vieira. Por esse motivo, ela defende que a escola tenha espaços garantidos de escuta e de discussão.
âA escola não pode abrir mão da sua dimensão educativa em uma perspectiva de educação integral, humana e crítica que celebre a diversidade e a cultura de pazâ, diz Gina Vieira.
Para a professora Belinda Mandelbaum, é necessário aproveitar o momento também para fazer uma reflexão muito ampla sobre acontecimentos dentro das escolas. âTem muita violáncia, maus tratos, comunicações violentas verbais, e até agressõesâ.
Na escola, diferente da intimidade do lar, a experiáncia é coletiva, conforme ressalta Danila Zambianco, da Unicamp. âNa escola, é também preciso ressaltar os espíritos de cooperação e de solidariedadeâ. Diferente do medo, conforme as especialistas, generosidade e respeito são aulas simples de entender para as crianças e que os adultos podem ficar mais atentos.
ð Em resumo, pais e professores devem ouvir para poder orientar.
Crianças e adolescentes precisam se sentir acolhidos, dizem especialistas
1 – í importante preservar as crianças, mas não esconder, mentir ou fugir de temas como a violáncia nas escolas
2 – Crianças devem ser informadas que os adultos estão atentos í segurança delas
3 – Fundamental que o adulto mostre-se disponível para conversar
4 – Adultos não devem julgar os sentimentos dos pequenos (nem dos adolescentes)
5 – Observar e se aproximar das crianças para identificar o que estão recebendo via redes sociais
6 – Importante não potencializar um evento
7 – Explicar que o medo faz parte da vida de todo ser humano e que as crianças são protegidas pelos adultos
8 – Pais e profissionais da educação devem estar mais próximos para garantir a serenidade diante do momento
9 – Adultos devem orientar adolescentes contra a satirização ou distorção dos eventos
10 – Crianças devem ser incentivadas a se expressar, mas não forçadas
Denúncias
Denúncias sobre ameaças de ataques podem ser feitas ao canal Escola Segura, criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com SaferNet Brasil. As informações enviadas ao canal serão mantidas sob sigilo e não há identificação do denunciante.
Acesse o site para fazer uma denúncia.
Em caso de emergáncia, a orientação é ligar para o 190 ou para a delegacia de polícia mais próxima.
2023-04-12 10:57:00