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segunda-feira, 20 de maio de 2024

Árvores são o desafio financeiro na integração entre lavoura, pecuária e floresta

Estimar os ganhos obtidos com a ILPF passa pela avaliação sobre o mercado de madeira.

O produtor rural Daniel Wolf está animado com os resultados da integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que adotou na Fazenda Gamada, em Nova Canaã do Norte, em Mato Grosso. A propriedade foi a primeira unidade de referência tecnológica da Embrapa no estado a adotar o componente florestal no sistema de integração: no ano passado, ela comemorou, com um dia de campo, o fim do primeiro ciclo das espécies de árvores, plantadas em 2009 em uma área de 80 hectares.

“Vale a pena, mas cada fazenda tem que avaliar quais as suas necessidades e se existe demanda para a madeira”, afirma Wolf, membro da segunda geração a estar à frente da Gamada, propriedade que é pioneira do sistema ILPF também no bioma amazônico.

Das quatro espécies cultivadas na área, as exóticas eucalipto e teca tiveram bons resultados, enquanto as nativas paricá (ou pinho cuiabano) e pau-de-balsa não deram certo. Com isso, os proprietários plantaram eucalipto e teca em diferentes arranjos. Depois, a partir de 2018, a fazenda ampliou a área de ILPF, usando teca em linha simples e alterando, assim, o sentido das árvores e o espaçamento.

O sucesso da iniciativa tem levado muitos visitantes à propriedade, que organiza eventos periódicos para divulgar informações e tratar do desafio da adoção do componente florestal.

“Nosso objetivo é contribuir, trocar experiências para multiplicar resultados, pensar coletivamente”, comenta o produtor, que atua ao lado do pai, Mário Wolf Filho, na gestão da Gamada e de outras duas fazendas em Mato Grosso – Fortuna e Fortuna do Tapaiuna. Somadas, as propriedades têm 18 mil hectares, com 50% de reserva legal.

Na agricultura, a família produz milho, soja e arroz e, na pecuária, atua na cria, recria e engorda. A atividade agrícola inclui ainda armazenamento de grãos, genética de gado nelore puro de origem e uma fábrica de produtos de nutrição para gado de corte. A ILPF já garante oferta de madeira de reflorestamento para venda.

“Além da fixação de carbono no solo e do gado que se produz nesse sistema – criado e engordado com sombra e água fresca –, há o benefício da madeira, que também utilizamos nas propriedades. O balanço é positivo”, resume Daniel.

De acordo com o produtor, a diversificação das atividades torna a gestão da propriedade rural mais complexa e mais dependente da capacidade humana.Isso aumenta a importância da boa gestão, que precisa tomar decisões de acordo com as necessidades de todo o negócio. “O trabalho exige estruturação e conhecimento”, afirma ele.

Maurel Behling, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop (MT), diz que, no estado, já se adota a integração lavoura-pecuária (ILP) em mais de 2 milhões de hectares, o que representa pouco mais de 5% da área destinada à agropecuária em Mato Grosso. Já os sistemas silviagrícolas, ou silvipastoris, estão presentes em apenas 150 mil hectares do território mato-grossense.

Segundo ele, a familiaridade com os componentes lavoura e pecuária, assim como a estrutura de armazenamento e a cadeia de suporte para a produção de grãos e gado, explicam a concentração na ILP. Além disso, a falta de um polo moveleiro no Estado cria uma barreira à adoção da floresta no sistema de integração.

Árvores são o desafio financeiro na integração entre lavoura, pecuária e floresta
Abertura de usinas de etanol de milho em Mato Grosso elevou a demanda de madeira para biomassa — Foto: Breno Lobato / Embrapa

O pesquisador destaca que o foco na região tem sido o direcionamento da madeira de eucalipto para biomassa, um mercado que se intensificou a partir de 2018, com a inauguração de usinas de etanol de milho.

“Está se formando uma cadeia para que o produtor tenha experiências exitosas com o componente florestal”, avalia.

Ele também aponta a necessidade de se atrelar o cultivo de áreas de floresta a uma logística de comercialização de madeira para a produção de celulose, um esforço que pode garantir preços mais competitivos aos produtores. “De certa forma, é salutar que a adoção da modalidade florestal seja mais lenta e gradativa, com amadurecimento do mercado, que passa a ter estrutura e logística de processamento para absorver o produto”, analisa.

Para ele, a tecnologia poderia ter sido “queimada”, resultando em um negócio frustrado, caso sua adoção tivesse ocorrido antes. “Hoje, temos condições e incentivos para gradativamente implantar floresta dentro de áreas que já fazem integração lavoura-pecuária”, afirma, referindo-se a ações como o Plano de Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+).

Desafios para o mercado

Segundo a Rede ILPF, o país tem hoje 17,4 milhões de hectares de áreas com o sistema de integração, o que inclui diferentes configurações, combinando dois ou três componentes em um sistema produtivo. O predomínio é da ILP, com cerca de 85% a 90% da área.

“O componente florestal é um desafio bastante grande do ponto de vista de mercado”, ressalta Manoel Macedo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, sediada em Campo Grande (MS).

Além de uma avaliação criteriosa, que passa pela escolha da espécie de árvore adequada – geralmente eucalipto –, o especialista reforça que é necessário considerar aspectos como aptidão da propriedade, existência de mercado para os produtos que se pretende cultivar, logística para a entrega de insumos e para escoamento da produção, assim como disponibilidade de mão de obra e de assistência técnica qualificada. “O futuro é bastante promissor, mas vai depender sempre de planejamento.”

Árvores são o desafio financeiro na integração entre lavoura, pecuária e floresta
Componente florestal ainda tem baixa presença nos sistemas de integração no país, de acordo com a Rede ILPF — Foto: João Costa Jr / Embrapa

Considerando uma propriedade que atua com lavoura e pecuária, a técnica para implantação da floresta envolve a inserção de espécies arbóreas nas linhas dos pastos. No caso do eucalipto, o ciclo de vida é de seis a sete anos, com a formação de corredores de florestas durante o passar dos anos. Passado esse período, pode-se cortar a árvore e vender a madeira ou aproveitá-la na fazenda.

Macedo conta que, na sede da Embrapa Gado de Corte, o plantio das árvores ocorreu em 2010. Hoje, prestes a completarem 14 anos, elas estão atingindo quase 36 metros de altura e 40 cm de diâmetro.

O pesquisador ressalta que, como o sistema ILPF resulta inicialmente em queda tanto na produção agrícola quanto na produção animal, a compensação pode vir na comercialização futura das árvores, que ocorre de maneira mais eficiente ao final de um ciclo de 25 o 30 anos. Ele acrescenta que, na pecuária, as perdas são mais fortes e podem oscilar entre 10% e 20%. Mas esses percentuais não são uma regra e dependem da localização da propriedade, entre outros fatores.

No caso de regiões em que a atividade agrícola é valorizada, com solos férteis, Macedo observa que é mais difícil o produtor colocar a modalidade floresta no negócio. Nesse caso, a ocupação dos solos mais pobres da fazenda ou de áreas mais declivosas pode ser uma opção.

Outra possibilidade de ganho futuro com a ILPF é o estoque de carbono no solo. “Com pastagens muito bem conduzidas, manejadas adequadamente e com reposição de nutrientes, conseguimos colocar no solo teores elevados de carbono”, afirma o pesquisador.

O modelo de ILPF que se vai adotar, a estratégia de rotação das culturas, o espaçamento entre os renques de árvores ou as espécies a serem utilizadas são decisões a serem tomadas com base em uma análise geral dos cenários interno e externo.

Macedo enfatiza que é preciso escolher a espécie de árvore – eucalipto, pínus, cedro, madeira de lei, frutífera – de acordo com as características da área e a perspectiva de negócio. “São dezenas de possíveis combinações, e isso tudo tem que entrar numa análise de custo”, recomenda.

Para ele, o produtor que atua com lavoura é mais aberto à ideia de utilizar o componente florestal do que o pecuarista, para o qual o custo de adoção do novo componente não é pequeno.

“Para a integração lavoura-pecuária, o investimento é relativamente grande, porque você precisa de uma boa área para fazer agricultura e para compensar o investimento em máquinas”, observa. A sugestão ao produtor, nesse caso, é começar com um arrendamento, com parcerias, “para ir evoluindo e entrando no negócio”.

Após o investimento inicial, entretanto, a ILP barateia os custos de produção, amortizando gastos do produtor com fertilizantes e garantindo renda por meio da venda de grãos. Isso sem falar na melhora da qualidade da pastagem, que ganha mais valor nutritivo, o que reduz o tempo dos animais no pasto.

Os benefícios podem ser ainda maiores com a implantação da floresta no sistema produtivo. Dados da Embrapa indicam que a produtividade é maior em áreas com os sistemas mais intensificados, nas quais o balanço de emissões de carbono equivalente é menor.

Apesar da clareza em relação aos benefícios da ILPF, ainda não há definições exatas a respeito da regulamentação do sequestro de carbono no solo e de quanto o produtor pode ganhar financeiramente.

Maurel destaca que o retorno financeiro do sistema ILPF depende da espécie de árvore e de sua finalidade. Eucalipto para biomassa, por exemplo, é uma opção de exploração rápida – em torno de seis a sete anos – e considerada competitiva. Já a produção de madeira para o setor moveleiro pode levar de 18 a 20 ou até 30 anos, com espécies como a teca, que demora em torno de 13 anos para conduzir a rebrota.

“O planejamento de médio e longo prazo pode ser uma das barreiras para o produtor. Mas, a partir do momento que a floresta passa a produzir, é possível gerar receitas anuais”, explica.

A lucratividade, afirma o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, pode ser de R$ 1,50 para cada R$ 1 investido no componente florestal, podendo alcançar patamares mais altos quando houver potencial. No caso do eucalipto, após um ciclo de seis ou sete anos, a madeira pode ser cortada e vendida ou usada na fazenda.

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